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ONDE?

25 de Abril de 2014

Onde é que eu estava no 25 de Abril?

Pois estava aqui, a 1600 kms de casa:

E o que é que eu estava a fazer? Pois…isso depende do ponto de vista. Para as forças da mudança, eu estava a defender o regime caducado com o meu elevado estatuto de Furriel Miliciano. Para mim, eu estava ansiosamente à espera que a minha mulher chegasse nesse mesmo dia, para reatarmos um casamento de seis meses que estava interrompido há quase um mês. E uma das minhas primeiras dúvidas era saber se a porra do avião ia chegar ou não, pois os rádios do quartel já andavam a crepitar desde madrugada. Um gajo com 24 anos é ainda muito impaciente. Interessante o facto de todos os passageiros daquele voo, que sempre chegou, terem descolado num regime e aterrado noutro.

Devido ao facto de ser pitosga, eu fui parar à tropa da caneta, o que, tendo-me livrado do perigo real de levar um tiro, me obrigou a trabalhar que nem um doido mantendo em funcionamento a burocracia do Exército, que era, por esses tempos, apavorante. E se eu nunca tinha precisado de pensar politicamente, o facto de estar junto aos bastidores durante perto de quatro anos, pré e pós 25, fez com que recebesse um curso acelerado de “realpolitik”.

E a “realpolitik”, para os quase dois mil portugueses que estavam “agarrados” ao BCaç.18, era tentar saber que diabo lhes iria acontecer, agora que a Terra começara a girar ao contrário.

No meu caso particular as coisas ainda pareciam mais nebulosas, pois eu estava adido ao Batalhão e devia ser rendido individualmente. Ora se a “guerra” acabara e não iriam ser precisos mais tropas, se “aquilo” ia ser entregue à Frelimo, eu já começava a imaginar o meu futuro como amanuense dos “turras”.

Mas, e este é um agradável mas, não há nada como uma lua de mel para clarear um céu carregado. E naquela terra esquecida por Deus, nos confins de coisa nenhuma, onde não nos podíamos afastar da cidade dez quilómetros sem risco de receber um passaporte para o além, nós divertimo-nos à brava durante quatro meses, acampados no nosso desafogado T2, luxuosamente mobilado.

Porque a história acontece depressa, durante esses quatro meses nós fomos recebendo as notícias enviesadas pela comunicação social, enviesadas pelo jornal da caserna e enviesadas pela família que tentava minimizar as suas próprias preocupações. E eu ia observando como a máquina de guerra se ia preparando para a reforma. Foi o tempo de todas as negociatas e de todos os gamanços. Foi também o tempo da confrontação com a realidade o dia em que recebemos os primeiros guerrilheiros no quartel: cinco indivíduos subnutridos e subvestidos que devolviam o nosso olhar de espanto e incerteza, mantendo-se firmemente agarrados às suas AK-47. Como se algum de nós ainda pensasse em guerra.

A guerra tinha definitivamente acabado, mas quando passei à “peluda”, em Setembro de 1974, para ir recomeçar a vida civil, de uma coisa eu tinha a certeza, nada seria como dantes e haveria muitas “batalhas” a travar.

A primeira batalha perdemo-la logo no ano seguinte. Para os festejos da independência nós iluminámos a nossa casa em Lourenço Marques com as cores da bandeira do novo país, país que nós esperávamos fosse também o nosso. Afinal era a NOSSA terra, e aos 25 anos nós somos tão ingénuos.

Estávamos enganados.  E ficámos sem terra.

Quarenta anos depois, onde estou eu?

Olha! A recomeçar outra vez!

Com uma enorme diferença porém. Há 40 anos eu podia lutar em todas as batalhas que me fossem aparecendo, agora, que passei de independente a dependente, eu tenho que confiar que alguém lutará por mim.

Se eu estou céptico? O que é que acham?

Kurioso